Nadando de braçada no leite

Nadando de braçada no leite

Santa Catarina: 'nadando de braçada' no leite

 

O Estado de Santa Catarina superou Goiás e se tornou o 4º maior produtor de leite industrializado do país, com 2,44 bilhões de litros de leite captados pelas indústrias em 2016. 

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Santa Catarina foi o único Estado entre os principais produtores de leite do Brasil a apresentar crescimento na produção em 2016. Enquanto a captação de leite pelas indústrias no Brasil diminuiu 3,7% no último ano, em Santa Catarina o crescimento foi de 3,82%. O maior produtor do país, Minas Gerais, teve redução de 5,21% na captação de leite nas indústrias; no Rio Grande do Sul a produção foi 6,84% menor do que em 2015; e no Paraná a queda foi de 3,32%. 

Os números divulgados pelo IBGE se referem à captação de leite cru pelas indústrias inspecionadas, o que representa 76% do total produzido em Santa Catarina. A estimativa é que a produção de leite do Estado gire em torno de 3,2 bilhões de litros, incluindo o leite consumido pelas famílias rurais e na alimentação de animais. Nos últimos 12 anos, o crescimento na produção de leite em Santa Catarina foi superior aos 10% ao ano. No mesmo período, o Brasil teve um crescimento médio de 4% por ano. 

Entre os dias 17 e 18 de maio, Chapecó, no Oeste catarinense, será palco do Interleite Sul, evento organizado pela AgriPoint e pela Transpondo Consultoria e que terá como tema “Pessoas e Tecnologias Intensificando a Produção e Colhendo Resultados no Sul do País”.

 

Cesar Helou, Diretor de Relações Institucionais do Laticínios Bela Vista (detentor da marca Piracanjuba), esclarece que o crescimento da produção de leite em Santa Catarina tem sua base de sustentação em ações dos diversos elos que compõem a cadeia produtiva do setor no Estado. “Somado a isso, não podemos esquecer da distribuição fundiária (onde predomina a pequena propriedade), o relevo, o clima temperado que gera vantagem competitiva em razão da possibilidade de produção de forragens com bons valores nutritivos e a boa produção de matéria seca por hectare (azevém e aveia), predomínio das raças Holandesa e Jersey, o bom volume e distribuição de chuva ao longo do ano e a existência de produtores de leite com vocação para a atividade”. Para ele, também vale ressaltar a produção de leite como principal atividade econômica e a participação das mulheres. A Piracanjuba é umas das empresas patrocinadoras do Interleite Sul 2017

O setor público (estadual e municipal) com políticas e investimentos voltados para o setor na conservação de estradas, subsídios na aquisição de sêmen de touros melhoradores, trabalhos de assistência técnica e facilitação de acesso ao crédito pela EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), controle sanitário realizado pela CIDASC (Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina) que possibilita o estado a ter status de livre de aftosa sem vacinação e controle da brucelose sem vacinação fizeram com que muitos municípios elegessem a pecuária de leite como prioridade para suas ações e aplicação de suas políticas públicas. 


"Há um bom número de empresas voltadas ao fornecimento de insumos das diversas áreas e com investimentos importantes no estado. O Senar também realiza trabalhos importantes e constantes no treinamento e qualificação dos produtores”. Segundo ele, somente em parceria com a Piracanjuba, de 2014 até o momento, foram treinados mais de 4000 produtores no programa Leite Legal e atualmente há 250 produtores no programa ATeG (Assistência Técnica e Gerencial). “Uma das medidas adotadas por Santa Catarina para conseguir garantir seu status sanitário atual desde a primeira metade da década de 2000 foi proibir a entrada de animais oriundos dos outros estados da federação. Mesmo assim, o crescimento da produção no estado vem ocorrendo de forma sustentada e contínua, o que podemos classificar como um bom exemplo de crescimento orgânico do setor no estado”. 


Marcos Antônio Zordan, Diretor de Agropecuária da Aurora Alimentos, explica que Santa Catarina está se destacando na produção de leite, principalmente o Oeste do Estado, que antes produzia 30% e hoje, mais de 70% do leite de SC. “Nós acreditamos que os grandes diferenciais sejam o interesse pela atividade, a possibilidade de participação dos pequenos produtores e a possibilidade de vínculo com a suinocultura e avicultura, visando o aumento do ganho e favorecendo a produção de leite. As tecnologias estão começando a ser utilizadas e as incentivamos para que impactem no aumento da produtividade”. 

Ele ressaltou que, antes, onde cabia apenas um animal, hoje se colocam de seis a sete. “Quando o produtor tem uma maior rentabilidade, ele automaticamente aplica parte da renda em inovações e novas tecnologias. Também, é perceptível no estado a presença dos jovens no campo (casos de sucessão) que assimilam melhor essas novas tecnologias. Eles saem para estudar e retornam para ajudar a ‘tocar o negócio’. Além disso, procuram cursos paralelos para terem um controle fino das suas propriedades”. 

Para Zordan, o foco catarinense não é produzir apenas volume, mas também, qualidade. “A prova de que estamos conseguindo fazer isso é a quantidade de empresas já instaladas no estado e as que estão se instalando. Na minha opinião, a atividade vai se concretizar cada vez mais no estado. Talvez, com um número menor de produtores, mas, com volumes maiores de produção devido às melhorias de produtividade”. 

Na mesma linha, Wagner Beskow, sócio-diretor da Transpondo (empresa de pesquisa, treinamento e consultoria agropecuária, especializada na busca de soluções para os desafios da cadeia produtiva do leite como um todo), explicou que o Sul é a região em que o leite mais tem crescido no Brasil e também no mundo. “No entanto, esse movimento não é uniforme. Figurativamente, tem se comportado como se fosse uma rampa ascendente cuja superfície é feita de leves ondas. De longe parece uma reta, mas de perto, percebemos que é desuniforme, onde cada estado e cada microrregião que compõe este crescimento geral tem sua própria oscilação. O que os dados históricos e as estatísticas mais recentes indicam é que, embora os estados do Sul sigam sustentando ‘rampas de crescimento’, neste momento as ondas se descolaram: Rio Grande do Sul e Paraná fazendo uma correção para baixo (junto com o resto do país), enquanto Santa Catarina, não”.

Para ele, a produção em Santa Catarina não caiu suportada por alguns fatores envolvidos como o clima; a intensificação das atividades de assistência técnica (mais oferta, mais interesse e mais qualidade nos serviços); maior cuidado e investimento na fertilidade do solo; crescente adoção de forrageiras muito mais produtivas; intensificação do uso de milhos híbridos (que quando bem adubados e conduzidos, estão elevando os patamares de produtividade) e políticas estaduais que dão um sinal de que leite é importante para o estado.

“No entanto, salvo o último fator, todos os demais também estão ocorrendo em semelhante intensidade no PR e RS. As principais diferenças que predominam em SC, portanto, quando comparada ao RS e PR, são os sinais positivos acima, dados pelas políticas oficiais e a limitada aptidão física das propriedades, que impede os produtores de simplesmente reduzir ou abandonar o leite para priorizar e intensificar a lavoura de grãos, como fazem os demais. A topografia predominante é simplesmente muito acidentada, a ponto de ser proibitiva para lavoura em muitas propriedades. Além disso, as unidades de produção de leite são muito pequenas, especialmente em área útil. As opções do produtor de leite catarinense, de um modo geral, são bem mais estreitas, reduzindo-se nos tempos atuais a suínos, aves ou fumo”. 

Ele acrescenta que, como suínos e aves estiveram em crise no período em questão, a única opção teórica seria o fumo, mas que na prática é para pouquíssimos, por tudo que a envolve (localização, negociação, conhecimento, experiência, interesse da indústria etc.) e que tampouco teria espaço para muitos novos produtores.

“Ou seja, o produtor de leite catarinense está numa situação em que ele é muito mais pressionado a fazer o leite dar certo que outros. Isso conduz a mais foco e mais controle, condições essas que, por sua vez, intensificam as relações dele com a assistência técnica e do setor com o Estado, que se vê mais comprometido com este produtor. No caso de SC esta relação ainda foi além, tendo hoje se tornado uma estratégia de Estado. A combinação de todos esses fatores parece estar talhando um produtor mais resiliente, ou seja, que possui um sistema capaz de suportar distúrbios sem se desagregar, voltando a se recompor após o impacto e fazendo isso mais rapidamente”. Wagner Beskow comentará essa transição produtiva no Interleite Sul, falando sobre o futuro do leite no Sul do país a partir da eficiência econômica.

Ainda sobre o cenário do mercado lácteo brasileiro, o presidente do Sindicato das Indústrias de Laticínios e Derivados de Santa Catarina (Sindileite) e Diretor de Política Leiteira da Tirol, Valter Brandalise, comentou que “a produção de leite em 2017 está melhor que 2016. Porém, temos que analisar que o primeiro semestre do ano passado não foi bom para a produção de leite em função do alto custo de produção e desestímulo no campo. “O início de 2017 foi bastante interessante já que o clima contribuiu com a produção de pastagens e grãos. Além disso, os custos de produção caíram e o preço do leite ao produtor se manteve aquecido”. Para Brandalise, esses fatores elevaram a produção de leite a uma taxa de 5 a 6% maior que o mesmo período do ano passado. 

Com relação a SC, ele crê em espaços para crescimento. “O ânimo para produzir e crescer é proporcional ao rendimento que o produtor terá. Se a atividade continuar sendo rentável, se expandirá. Hoje quem está sentindo mais a dificuldade são as indústrias, porque o mercado brasileiro está recessivo, não está comprando e quando compra, quer comprar barato”. 

Segundo o Secretário Adjunto da Agricultura, Airton Spies, que palestrará no Interleite Sul, a tendência é que Santa Catarina continue se destacando na atividade leiteira já que conta com fatores positivos no âmbito do clima e do solo, viabilizando a atividade para os produtores menores devido à alta densidade agronômica alcançada nas pastagens. “É notável a migração da atividade para a região Sul, inclusive dos laticínios, que na minha visão, são os responsáveis por puxar a produção. Atualmente temos no estado uma produção diária de 8 milhões de litros de leite/dia mas a nossa capacidade industrial já está estruturada para processar até 10 milhões de litros de leite/dia. Ainda, estamos acompanhando a instalação de novas indústrias, o que aumentará essa capacidade, sinalizando aos produtores que receberão muitos incentivos para ofertarem mais leite e preencher a capacidade industrial”. 

Spies lembrou que Santa Catarina já é livre de vacinação contra febre aftosa e que o governo estadual, aliado ao setor privado, está investindo em políticas de incentivo à produção. Aproveitando o ensejo, ele citou a importância da Aliança Láctea Sul Brasileira, criada pelos governadores dos estados em 2014 para atuar em várias frentes, como: melhoria da qualidade do leite, produção de sólidos totais, assistência técnica, organização estrutural do setor, eliminação de custos ociosos relacionados ao transporte e eficiência da cadeia como um todo, reduzindo tributos, entre outros. “A Aliança foi criada para aproveitar as oportunidades em comum no setor do Sul e resolver os problemas da cadeia produtividade, focando na competitividade – inclusive - no mercado global. Exportar lácteos no médio prazo é um dos nossos objetivos. Temos que buscar incansavelmente a excelência com custos baixos para sermos independentes das importações”.

Spies comenta ainda que “as cooperativas, apoiadas pelo governo, vêm investindo em treinamentos e tirando o atraso tecnológico do leite. Ainda precisamos evoluir quando comparado à criação de aves e suínos. É importante frisar que a sinergia entre atividades também é muito bem-vinda e estamos explorando-a. Hoje, os dejetos dos suínos e das aves são utilizados para a adubação orgânica da pastagem. Como ainda temos espaço para evoluir e modernizar, há oportunidade para os ganhos marginais e aperfeiçoamentos”. 

Para Paulo Roberto Lisboa Arruda, Diretor de Extensão Rural e Pesqueira, da EPAGRI/SC, em face de importantes mudanças estruturais na agropecuária catarinense, ocorridas sobretudo dos anos de 1990 para cá, o leite passou a ser a principal atividade socioeconômica viável para muitos produtores catarinenses, sobretudo os da Região Oeste. “Isso foi decisivo para criar um ambiente favorável de apoio a essa atividade, e, ao longo dos anos tem havido um ‘esforço coletivo’ para o crescimento da produção leiteira catarinense. Isso envolve os produtores de leite e as suas representações (sindicatos, federações, associações, etc.), as cooperativas e indústrias de leite, organizações privadas e obviamente também as organizações públicas (ministérios, organizações do governo do estado, prefeituras municipais). Neste caso, sem desconsiderar a importância das demais organizações, tenho que dar destaque aos programas da Secretaria de Estado da Agricultura e da Pesca (SAR), em especial àqueles implementados por meio da EPAGRI, empresa vinculada a SAR, da qual sou o atual diretor de extensão rural e pesqueira”. 

Segundo ele, há muitos anos a EPAGRI tem um programa fundamentado na produção de leite a pasto, cujo sistema de produção tem sido adotado por um contingente cada vez mais significativo de produtores, redundando em crescimento constante nos indicadores de produtividade, melhoria da qualidade e redução de custos de produção do leite, o que tem significado melhoria da rentabilidade da atividade. Isso, aliado a outras inciativas de organizações públicas e privadas, e especialmente ao grande interesse/preparo dos produtores de leite, permite vislumbrar que, mesmo não repetindo os mesmos patamares dos últimos anos, a produção leiteira catarinense deve continuar crescendo sensivelmente nos próximos anos. 

“Certamente em patamar superior ao que ocorrerá no Brasil e na maioria dos estados. Com relação a assistência técnica e extensão rural, são muitas empresas públicas e privadas que procuram desenvolver a atividade, visto que é uma atividade que gera uma renda mensal aos produtores, contribuindo para a autonomia financeira das mulheres (já que a atividade demanda mão de obra familiar), favorece a sucessão familiar e se constitui numa alternativa para a diversificação na propriedade rural, dentre outros aspectos favoráveis”.

Segundo o Coordenador Estadual de Pecuária da EPAGRI Carlos Mader, a atividade leiteira é a que tem os maiores ganhos marginais para incorporar, pois quanto maior a produção, menor o custo por unidade e maior a rentabilidade do sistema. “Nos últimos anos o crescimento da cadeia leiteira na Região Oeste se aproximou de 300% e o crescimento estadual girou em torno de 190%, qualquer um desses valores é muito acima da média de crescimento nacional. Cerca de 85 mil agricultores familiares, com propriedades menores de 50 hectares são responsáveis por mais de 83% da produção, constituindo-se na principal fonte de renda para 60% dos pequenos produtores familiares. Desta forma, a atividade desempenha papel relevante no suprimento de alimento, na geração de empregos e na renda de muitas famílias. Também saliento as políticas públicas do Governo do Estado de SC que incentivam a atividade leiteira como Programa Terra Boa e Fomento Agropecuário”.


Ele ainda destacou que a melhoria e a disponibilidade de energia elétrica e de crédito rural contribuem de forma efetiva para o sucesso da atividade leiteira no estado. “Aliado ao apoio das prefeituras, sindicatos, cooperativas, as empresas privadas investem no aumento da capacidade instalada de processamento do leite, subsídios de horas máquina, incentivo à inseminação artificial, adequação das estradas vicinais, ações que influenciam na rentabilidade e na capacidade competitiva dos negócios”.

Diferenciado por trazer produtores de leite e técnicos que falarão sobre as suas experiências, o Interleite Sul, que ocorrerá nos dias 17 e 18 de maio em Chapecó/SC, focará em diversos temas de interesse para quem está dia a dia no campo. O tema do evento será "Pessoas e tecnologias intensificando a produção e colhendo resultados no Sul do país".
 
Fonte: Milkpoint

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